CONSERTANDO O BOTAFOGO - CAPÍTULO III - O FUTEBOL DE BASE
Por Bernardo Santoro
Em 04/01/2010, às 20:09:08
3.0 – AGRADECIMENTOS E REFERÊNCIAS

Esse capítulo não poderia existir sem a ajuda de dois brilhantes amigos, um botafoguense e outro tricolor, que me deram a oportunidade de conhecer as estruturas atuais das divisões de base dos dois clubes. O amigo tricolor preferiu o anonimato, aqui respeitado. Já o botafoguense foi o meu grande amigo Claudio Adão de Amorim Ferreira, o “Sonic”, que é, sem dúvida, o botafoguense mais empolgado com as divisões de base do clube que eu conheço.

Então, amigo Cláudio, obrigado! Sem seus préstimos, nada disso seria possível.

A parte de treinamentos (físico/ técnico/ tático/ psicológico) tem como referência e inspiração os excelentes trabalhos publicados pela Universidade do Futebol (http://www.universidadedofutebol.com.br), em especial os trabalhos do Mestre Rodrigo Leitão, a quem rendo aqui minhas homenagens.

3.1 - INTRODUÇÃO

O futebol de base do Botafogo foi absolutamente negligenciado nas últimas décadas, em virtude da falta de visão dos dirigentes do Botafogo em modernizar esse campo.

Até 1970, quando o futebol ainda era amador nas divisões de base, o Botafogo foi o celeiro de craques do Brasil, mas essa realidade mudou muito. Os clubes nacionais e estrangeiros perceberam que era muito mais barato formar um jogador do que contratá-lo, e por conta disso direcionaram seus investimentos em estrutura de divisões de base.

O Botafogo não só não fez isso como ainda forneceu aos seus jovens jogadores a lastimável estrutura de Marechal Hermes.

Como o Botafogo continuou amador e os seus adversários viraram profissionais, o clube perdeu terreno e hoje conta com times de aluguel, sem a menor identificação com o clube e sem a formação própria do clube.

Essa última frase, a formação própria do clube, será mais bem esclarecida mais adiante.

Dentro do modelo utilizado em outros capítulos, primeiramente descreveremos (i) como funciona a base do Botafogo hoje e, em seguida, (ii) apontarmos as soluções dadas pela diretoria do clube e, por fim, (iii) tentarmos consertar a base do Botafogo.

3.2 – AS DIVISÕES DE BASE HOJE

Falar sobre divisões de base é sempre complexo, pois envolve problemas de natureza completamente diferentes. Vamos tentar aqui, rapida e separadamente, explicar alguns desses problemas.

3.2.1 – O PROBLEMA FINANCEIRO E A AÇÃO DOS EMPRESÁRIOS

A falta de capacidade de investimento do Botafogo em divisões de base já vem de muito tempo. Sempre tivemos um problema crônico em diversificar nossas fontes de receita e então podermos destacar uma parte para as divisões de base.

Nesse sentido, poucas vezes tivemos patrocínios verdadeiramente fortes (de cabeça me lembro apenas da 7UP, Excel e Liquigás), que injetaram somas consideráveis de dinheiro. Nesses momentos, contudo, a base nunca foi uma prioridade, e as receitas acabavam indo para outras despesas. Nossa torcida também nunca foi de comparecer muito aos estádios (Botafogo e Santos são os únicos clubes grandes do Brasil que nunca tiveram a maior média de público em Campeonatos Brasileiros, coisa que Bahia e Sport já conseguiram, e nossa média em todos os Brasileiros é de 13.364 pessoas/partida, apenas a 21ª colocada, atrás de tipos como Bahia, Sport, Santa Cruz, Fortaleza, Ceará, Paysandu, Remo, Goiás e Coritiba). Nunca exploramos bem nossa marca e não somos um time que costuma vender jogadores com frequência, muito menos em grandes quantias.

Quando as divisões de base se profissionalizaram, obviamente que perdemos terreno para os outros clubes que investiram nesse filão. O Botafogo é sempre a última opção do garoto no Rio de Janeiro.

O “presidente” Mauro Ney, na sua segunda gestão (2000-2002), tendo em vista a falta de recursos, tomou a pior medida possível: terceirizou a base para o empresário Eduardo Uram. Quando Bebeto assumiu, teve como primeira providência retirar a base do clube das mãos de Eduardo Uram. Contudo, a falta de recursos prevaleceu e o Bebeto nunca priorizou a base, inclusive sob o argumento pífio de que não valeria à pena investir na base com o fim da lei do passe, quando todos sabem que basta adaptar-se a lei, assinando longos contratos com os jovens da base.

As peneiras, na Gestão Bebeto, foram terceirizadas para uma empresa que criou o projeto “Craques do Botafogo” (www.craquesdobotafogo.com.br), que serviu apenas para arrecadar dinheiro de jovens, não importa a classe social, que sonhavam com a carreira de boleiro. Esse expediente de arrecadar através de peneiras se mantém até hoje, mas o serviço deixou de ser terceirizado.

Sob a gestão Assumpção, tudo continua na mesma.

A falta de recursos fez com que a nova gestão não pudesse realizar investimentos na área, e o fato de Marechal Hermes estar longe dos olhos da maioria dos sócios do clube, faz com que o Presidente possa produzir factóides no sentido de que está investindo na base, o que é uma grande mentira.

Os campos de Mal. Hermes são mantidos apenas em condições mínimas de uso, para as categorias mirim e infantil, e Caio Martins idem, para as categorias juvenil e júnior.

Os empresários passaram a ter voz ativa novamente na base do clube. A Traffic Talents agencia a maioria dos nossos melhores valores na categoria juvenil, e outros empresários também atuam no clube, em especial Eduardo Uram, que tem também grande influência no time profissional. A MFD do flamenguista Vatuil Gonçalves comprou a maior parte dos direitos da maioria dos nossos melhores valores que já se integraram ao profissional a preço de banana.

Nesse sentido, abro espaço para o testemunho do grande colaborador desse capítulo, nosso amigo Cláudio Adão “Sonic” Ferreira: “Muito me preocupa a participação da Traffic Talents dentro do Botafogo. Tenho amigos muito próximos no Fluminense, que pertencem hoje a Traffic, por intermédio da Traffic Talents. Eles começam agenciando a carreira do jovem ainda na categoria juvenil, onde o clube não pode assinar contratos longos, apenas de três anos de duração, e quando chegam na idade de renovar o contrato, a Traffic Talents é a responsável direta pela negociação do contrato, e fazem de tudo para dificultar a vida do clube, já tendo em vista algo para o garoto. Na maioria dos casos, eles assinam contrato com o clube formador, mas por um período curto de contrato, e com parte dos direitos do meninos já pertencentes à TRAFFIC”.

Continuando, vejam que a atuação dos empresários se restringe à negociação de contratos e compra de direitos federativos dos garotos, aliciando financeiramente os mesmos. Na base do Botafogo mesmo, não há nenhum investimento por parte desses empresários para melhoria da estrutura. São simples parasitas, sem mais.

Outro problema sério atrasa os investimentos na base: as questões jurídicas envolvendo essas sedes.

3.2.2 – O PROBLEMA JURÍDICO DAS SEDES DA BASE

Como dito anteriormente, as divisões de base do Botafogo funcionam nas sedes de Marechal Hermes e Caio Martins, mas ambos possuem problemas jurídicos pelo fato de nunca terem sido propriedade do Botafogo.

A história do Botafogo com Marechal Hermes começou em 1977, quando o então presidente Charles Borer fez um contrato de incorporação com o detentor do Estádio de Marechal Hermes, o União de Marechal. Destaco que o União nunca foi o dono do Estádio de Marechal Hermes, que pertencia ao Estado do Rio de Janeiro, sendo mero detentor do mesmo. O União então deixou de existir, sendo incorporado ao Botafogo, e o Botafogo passou a ser o novo DETENTOR, não dono, do Estádio.

A história do Botafogo com Caio Martins começou em 1981, aqui na figura jurídica de arrendatário, sendo o dono também o Estado do Rio de Janeiro, utilizando esse estádio anteriormente utilizado pelo Canto do Rio F.C. de Niterói, que na época havia desmantelado seu futebol profissional. O campo também pertencia ao Estado do Rio de Janeiro.

Com o advento da Constituição de 1988 e da nova estrutura de direito administrativo criada pela mesma, a situação jurídica dos dois imóveis restou pendente, e o Botafogo continuou a utilizá-los mesmo sem a observação dos novos preceitos jurídicos, regulamentados e destrinchados, posteriormente, pela Lei 8.666 de 1993.

Nesse ínterim, o União de Marechal foi recriado por oportunistas políticos e passaram a reivindicar como sendo seu o direito de gerir o Estádio de Marechal Hermes, o que é um absurdo, tendo em vista que esse novo clube é uma pessoa jurídica absolutamente distinta do antigo União. O Canto do Rio, nesse mesmo período, reativou seu futebol profissional e políticos oportunistas de Niterói passaram a pressionar o Governo do Estado do Rio de Janeiro a retirar do Botafogo a posse de Caio Martins e entregá-lo ao Canto do Rio F.C.

Esse imbróglio político culminou, em primeiro round, em uma vitória absoluta do União de Marechal, vitória parcial do Botafogo e derrota absoluta do Canto do Rio, através da Lei Estadual no 4.062/2003, dando ao Botafogo a cessão gratuita de Caio Martins por 20 anos, ao União a cessão gratuita de Marechal Hermes e não cedendo NADA ao Canto do Rio.

O Botafogo então passou a ter controle “legal” (pus essa legalidade entre aspas porque daqui a pouco discutirei a constitucionalidade dessa lei) de Caio Martins, mas precisava devolver Marechal Hermes ao União.

Essa devolução, no entanto, nunca foi feita.

O União tentou, na justiça, tomar posse de Marechal Hermes com base nessa lei, mas a justiça nunca chegou a efetivamente fazer a lei ser cumprida.

O Botafogo, sabedor de que a entrega de Marechal Hermes, nos termos da lei, era uma questão de tempo, começou a fazer nova pressão política para não só ficar com Caio Martins como também não entregar Marechal Hermes.

Essas pressões foram levadas a cabo pelo Dep. Noel de Carvalho, que apresentou projeto suprimindo da Lei 4.062/2003 o artigo que mandava o Botafogo entregar Marechal Hermes ao União. Deputados niteroienses tentaram, ao mesmo tempo, retirar da lei o artigo que cedia Caio Martins ao Botafogo.

Nesse segundo round, a vitória do Botafogo foi absoluta, tendo sido mantido o artigo da lei que dava ao Botafogo a cessão de Caio Martins e retirando o artigo que dava ao União o direito de ter a cessão de Marechal Hermes (Lei Estadual 5.011/2007).

Alguns problemas jurídicos ainda se impõem:

O primeiro deles é o mais evidente: a lei suprimiu o artigo que dava ao União o direito de gerir Marechal Hermes, mas não deu ao Botafogo esse direito. Criou-se um vazio jurídico, pois hoje em dia ninguém tem direito de gerir Marechal! Como não existe repristinação tácita no Brasil (repristinação é o fato de uma lei C revogar uma lei B que revogava uma lei A, e por revogar a lei revogadora, acabaria por dar vigência à primeira lei revogada, A – no Brasil isso não acontece, ocorrendo vácuo jurídico), Marechal Hermes hoje não é, oficialmente, gerida por ninguém, estando sob controle único do Estado do Rio. O Botafogo, como está lá, lá vai ficando, mas de maneira precária.

O segundo é a constitucionalidade de todas essas leis. A Constituição Federal é clara no seu art. 37, XXI, que nenhum imóvel público, a princípio, será cedido gratuitamente a um particular. A Lei 8.666/93 regulamentou esse artigo, instituindo a necessidade de Licitação para a cessão de bens públicos.

O art. 17, § 4o dessa lei fala que só não haverá licitação para doação com encargo ou cessão de direitos de uso gratuitos no caso de interesse público devidamente justificado. Sinceramente, não sei que tipo de interesse público estaria contemplado nessa cessão, que parece ser de evidente interesse particular do nosso clube.

Portanto, todas essas cessões são inconstitucionais, e Marechal Hermes está sobre um vácuo jurídico.

Superadas as considerações jurídicas, permanece ainda a seguinte questão: é viável fazer um CT de qualidade nesses lugares? Creio que não, por absoluta falta de espaço.

No caso de Marechal Hermes, só seria viável no caso da cessão de um terreno contíguo que pertence ao Exército Brasileiro. Não sei até que ponto devemos ficar reféns do Exército, do Governo do Estado, entre outros. Investir uma grande soma de dinheiro em um terreno que amanhã pode nos ser retirado me parece de uma grande temeridade.

Já quanto ao Caio Martins, lá é que não há espaço para a base mesmo. Tanto que, na gestão Bebeto, foi feito um projeto para que Caio Martins abrigasse um CT para os profissionais, que demandam menos número de campos de treinamento. Nesse caso, se é para investir dinheiro em algo que não é nosso, melhor seria fazer o CT profissional junto ao campo anexo do Engenhão, onde outros projetos podem, inclusive, elevar o complexo do Engenhão a outro nível, mas isso é papo para o capítulo V dessa série.

3.2.3 – O MODELO ORGANIZACIONAL ATUAL

Dentro da moderna Teoria das Organizações, existem basicamente três modelos standard de organização de uma pessoa jurídica: (i) organização linear; (ii) organização funcional e (iii) organização linha-staff.

A organização linear é a mais simples, em que uma pessoa chefia um grupo de pessoas, que chefiam individualmente outro grupo de pessoas. Como cada subordinado só tem um chefe imediato, a hierarquia é muito simples, dando controle e disciplina.

Na organização funcional, o subordinado é responsável por uma função, e com base nessa função pode ter de responder a vários chefes, caso a sua função seja necessária em diferentes setores da empresa. Tem como qualidade a especialização e execução de tarefas, tornando o subordinado um empregado altamente eficiente no que faz, mas somente no que faz.

A organização linha-staff é baseada em uma parte linear, a estrutura, mas com uma assessoria (o staff) especializada em funções que colaboram dentro da estrutura linear para aperfeiçoar a tarefa no qual o staff é especialista. Essa é a mais moderna forma de organização, combinando os elementos positivos da estrutura linear e funcional.

Dentro desses modelos de organização, o Botafogo tem estrutura claramente linear, o que confere grande ordem hierárquica. Temos um técnico de futebol, subordinado a um supervisor de futebol, que é subordinado a um gerente de futebol, que é subordinado a um vice de futebol e, por fim, esse é subordinado a um Presidente.

A grande vantagem é que a estrutura é muito bem hierarquizada e todos sabem a quem responder. O problema é que essa estrutura engessa absurdamente a realização das tarefas do clube, pela sua própria natureza, dificultando a inovação e a adaptação a novas situações. A autoridade se torna autocrática e sobrecarrega as funções de chefia.

3.2.4 – A FILOSOFIA DE TREINAMENTO ATUAL

A filosofia de treinamento é a mais ultrapassada possível.

Na parte técnica, de modo geral, os exercícios são os do começo do século XX, com dribles em cones, treinamento de toques curtos e de chutes a gol. Os goleiros têm um treinamento mais específico. De modo geral, deixa-se o garoto à própria sorte e talento para descobrir os meandros do jogo.

Na parte tática, ela é supervalorizada na base, engessando o menino e o transformando num robozinho. Como os técnicos da base fazem um trabalho individual e dissociado do futebol profissional, o garoto é treinado, na maioria das vezes, em esquemas táticos completamente diferentes do profissional, e quando ele sobe de nível é obrigado a adaptar-se a um novo sistema, o que, na idade dele, ainda é muito difícil e demorado, em virtude da falta de experiência, retardando o seu desenvolvimento profissional.

Na parte física, treinamentos físicos de outros esportes são aplicados no futebol sem que haja a adaptação ao esporte. Apenas como exemplo, é muito comum encontrarmos na base o chamado “treinamento de tiro de 40 metros”, onde o menino é obrigado a correr 40 metros em um determinado tempo. Esse treinamento de atletismo é muito bom para o atletismo, mas é totalmente ineficiente para o futebol quando esse “tiro de 40 metros”, no momento do jogo, é feito com uma bola nos pés, ou então tendo que olhar onde uma bola lançada vai cair, e é por isso que vemos grandes jogadores velocistas que, ao chegar na bola lançada 40 metros à frente, chegam cansados demais ou simplesmente não sabem o que fazer em seguida, pois não foram treinados para isso. Foram treinados apenas para chegar até a bola.

Na parte psicológica, especialmente no Botafogo (ao contrário do que acontece no Vasco e no Fluminense), o menino da base não é afastado dos graves problemas sociais e familiares que, em regra, ocorrem na vida dele, já que em grande parte dos casos, o menino vem de famílias monoparentais desestruturadas.

3.3 – SOLUÇÕES APRESENTADAS PELA DIRETORIA ATUAL (OU, AINDA, A INSPIRAÇÃO TRICOLOR)

O primeiro grande projeto de “modernização” da base do Botafogo é uma parceria com a empresa Duna, que foi batizada de “Estrelas do Futuro – Escola de Futebol Oficial do Botafogo”, sob gerência do “Pantera” Donizete.

A primeira observação pertinente é que esse contrato foi feito sem licitação e sem concorrência. Outra fonte, dentro do clube, me disse que esse contrato foi feito como pagamento de parte da dívida que o clube tem com Donizete, burlando o acordo com o TRT Rio. Os lucros nas vendas desses garotos revelados nesse projeto teriam participação do “Pantera”. O site do projeto é www.estrelasdofuturobotafogo.com.br

Esse projeto, que é claramente uma cópia do projeto do Fluminense “Flu Educação Esportiva” (quem quiser conferir, veja www.flueducacaoesportiva.com), embora seja um projeto interessante, tem uma mácula inicial que é a falta de transparência no contrato com a Duna Marketing. Outra crítica pertinente é o grande custo para se instalar esse projeto. Tivemos acesso ao contrato oferecido pela Duna aos interessados em abrir escolinhas do Botafogo na sua região, vejam os números:

Taxa de Franquia: R$ 7.000,00 por 48 meses.
Royalties: 10% do valor arrecadado mensalmente, com um mínimo de R$ 1.000,00/mensais.
Compra mínima de uniformes: 75 kits de alunos + 6 de professores + 50 coletes = R$ 5.300,00 + taxa de frete.

Partindo do pressuposto que as famílias alvinegras, em regra, não têm o mesmo poder aquisitivo das famílias tricolores, o que é comprovado em pesquisa, só posso perguntar: em que mundo esse pessoal vive? Esse programa restringe demasiadamente a proliferação de escolinhas do Botafogo, veda o projeto a crianças alvinegras carentes e ainda passa uma imagem elitista do clube.

Ainda seguindo o modelo tricolor, a diretoria do Botafogo tem o sonho de transformar Marechal Hermes em um CT aos moldes do CT de Xerém do Fluminense. O problema é a falta de espaço lá, só sendo possível caso o Exército ceda parte do terreno vizinho com essa finalidade. Novamente caímos no problema de investir em algo que não é nosso. Sem contar que a própria questão de Marechal Hermes está em descoberto, tendo em vista que não há mais lei dando a gestão ao União de Marechal, mas também não há lei dando o terreno ao Botafogo, sendo certo que investir lá é hoje, potencialmente, um grande prejuízo.

Não há projetos para modernização da estrutura organizacional ou da filosofia de treinamento.

Vamos consertar o Botafogo?

3.4 – CONSERTANDO A BASE DO BOTAFOGO

Para consertar a base, precisaremos discutir (i) aonde ela seria instalada e como seria a sua estrutura; (ii) um modelo organizacional e (iii) as novas filosofias de treinamento.

3.4.1 – A QUESTÃO DA SEDE E DA ESTRUTURA

Farei, primeiramente, um desabafo: NÃO AGUENTO MAIS ESSA HISTÓRIA DE MARECHAL HERMES!!! Qualquer pessoa com um mínimo de inteligência consegue perceber que a trapalhada jurídico-política em torno desse terreno tem o escopo de evitar que se invista pesadamente nas divisões de base, dando chance a empresários aliciarem nossos jovens valores, certamente com uma comissão por fora para gente das diretorias atual e passadas.

Nesse caso, eu proponho uma solução bastante radical: vamos devolver Marechal Hermes e comprar um terreno, na zona metropolitana do Rio, onde imóveis são mais baratos (Caxias, Xerém, Nilópolis, São João de Meriti, etc.) para fazer um grande CT de base, de propriedade do Botafogo (no caso, da figura jurídica vinculada ao Botafogo que gerisse o futebol).

Não precisamos que nosso CT da base seja, necessariamente, na cidade do Rio. São Paulo, Corinthians e Palmeiras têm seus CTs em Cotia, na grande São Paulo. O Fluminense e o Tigres (atual campeão estadual de juniores) têm CTs de alto nível em Xerém, distrito de Caxias, distante 40 minutos do centro do Rio.

Com alguma negociação conseguiríamos, inclusive, várias isenções fiscais. Qual prefeitura do grande Rio não gostaria de ser a casa da juventude do Botafogo?

Para isso, precisamos romper com esse atraso de vida que é Marechal Hermes, um lugar com quem não temos nenhuma identificação histórica e que foi palco de uma das piores épocas da história do clube.

Precisamos levantar os fundos para a construção da estrutura, e nada melhor do que direcionar os recursos do Sócio-Torcedor para esse destino. A construção e manutenção desse espaço devem ser feitas pela torcida do Botafogo, e após a primeira boa venda de um jovem valor local, o lugar passa a se auto-sustentar.

Ainda quanto à estrutura, nada pode faltar no nosso CT para podermos rivalizar com nossos adversários de igual para igual: diversos campos de futebol, nos mais variados tamanhos para trabalhos específicos; construção de instalações de apoio ao atleta, como piscina, alojamentos e academia; informatização completa do CT; criação do departamento de apoio social da base, com serviços de medicina, psicologia, pedagogia, nutrição e odontologia; integração com ídolos do passado, entre outras medidas.

Com isso, EM ALGUNS ANOS podemos recuperar o tempo perdido, desde que não se tolere a presença de empresários no local.

3.4.1.1 – AS ESCOLINHAS

A questão das escolinhas, nos moldes atuais, já foi alvo de críticas aqui. Não há maiores problemas em se terceirizar as escolhinhas, desde que feito com lisura, o que não aconteceu. A falta de concorrência resultou em um contrato lesivo para o clube e para o botafoguense.

Precisamos sim de uma rede de escolhinhas nacional, em cada cidade que tenha grande quantidade de botafoguenses, mas a franquia deve estar em preço acessível, de modo que crianças menos abastadas possam também participar dessas atividades e, com a integração das escolhinhas com o CT central, possam um dia se tornar astros do Botafogo em diversas modalidades.

3.4.2 – O NOVO MODELO ORGANIZACIONAL

O novo modelo organizacional deve superar a estrutura linear e passar a funcionar em modelo linha-staff, com assessorias especializadas trabalhando dentro da estrutura organizacional do clube.

Essas assessorias, especializadas, cada uma, em fisiologia, psicologia, nutrição, farmacologia, treinamentos técnicos, treinamentos táticos, entre outros, influiriam e seriam a última palavra na planificação e execução do treinamento, cada uma em sua área.

Infelizmente, por mais que o técnico seja um bom professor de educação física, ele sempre terá falhas em um ou outro campo que comprometerá a formação do atleta, e a estrutura linear, focada na autoridade do técnico, leva a esse comprometimento, superado pela estrutura linha-staff de assessorias específicas.

3.4.3 – AS NOVAS FILOSOFIAS DE TREINAMENTO E A INTEGRAÇÃO BASE-PROFISSIONAL

Aqui vamos tratar especificamente da revolução feita pelo FC Barcelona na filosofia de treinamento de seus atletas.

Como analisado anteriormente, existem muitas falhas na filosofia de treinamento (i) técnico, (ii) tático, (iii) físico e (iv) psicológico.

Apenas recapitulando, o treinamento técnico, em geral, é feito sem especialização na posição e sem a experiência do campo de jogo, deixando o menino à deriva do próprio talento. O treinamento tático é supervalorizado e não respeita o modo de jogo da categoria superior, dificultando a adaptação do menino ao novo nível. Na parte física não há um trabalho específico para as situações de jogo, utilizando-se treinamentos de atletismo sem a adaptação para o jogo. Na parte psicológica, no Botafogo, não há uma proteção maior ao menino e, principalmente, o trabalho de adaptação de uma vida, em regra, difícil, para uma vida de estrela.

Esse tipo de treinamento deficitário não é exclusividade do Botafogo. É realizado no mundo inteiro há algum tempo. Menos em um clube: o FC Barcelona.

Essa revolução foi realizada no Barcelona há menos de dez anos e teve como resultado essa fantástica geração de jogadores que hoje veste a camisa do time. Apenas a guisa de informação, dos 14 jogadores que jogaram a final do Mundial de Clubes 2009, 8 jogadores foram formados nas divisões de base do Barcelona, e só não teve um nono jogador porque Iniesta estava machucado.

Qual o diferencial do Barcelona para os outros grandes times europeus, que têm que gastar uma baba para comprar jogadores que o Barça faz em casa? Vou tentar explicar.

O Barcelona programou um estilo de treinamento chamado “simulação de jogo”. Todos os treinamentos, sejam técnicos, táticos, físicos ou psicológicos, tem como objetivo resolver situações específicas de jogo.

Por exemplo: se temos um jogador na entrada à direita da área, cinco beques na sua frente e mais o goleiro, e tem três companheiros seus entrando na área, vai ser treinado exaustivamente as diversas opções de jogo possíveis para esse jogador.

Essa filosofia é aplicada em todos os tipos de treinamento.

Na parte técnica, nunca haverá um treinamento de toque entre dois jogadores. O treinamento de toque é feito entre dois jogadores, com dois beques marcando, como efetivamente ocorre no jogo. Idem para cruzamentos, finalizações, tomadas de bola, etc.

O treinamento tático obedece rigorosamente o mesmo estilo tático dos profissionais. Ou seja, os juniores jogam nas mesmas funções táticas dos profissionais, assim como os juvenis e os infantis. Desse modo, quando o garoto pula de categoria, não tem a menor dificuldade em adaptar-se imediatamente ao time de cima. Além disso, o treinamento tático é menos valorizado que o técnico, pois na filosofia do Barcelona, o treinamento técnico é o mais importante.

O treinamento físico também é moldado para as situações de jogo, claro que sem dispensar a musculação. Então o tiro de 40 metros será sempre feito com uma bola esperando o menino no fim da corrida, de modo que ele seja obrigado a fazer uma jogada logo após o sprint. Jogadores do estilo “Ricardinho”, que jogou no Botafogo ano passado, que correm, mas não sabem o que fazer com a bola quando chegam nela, não são produzidos nesse sistema.

Por fim, o treinamento psicológico tem três funções: (i) blindar o psicológico do menino frente aos problemas domésticos; (ii) estruturar o menino para conviver bem com os perigos da futura fama; (iii) treinar o menino para suportar bem as pressões do jogo.

Esse treinamento revolucionário já tem seguidores no Brasil, em especial os profissionais ligados à Universidade do Futebol. Basta contratá-los para gerenciar essa revolução aqui.

3.5 - CONCLUSÃO

Com esse conjunto de soluções, podemos criar efetivamente um “modo Botafogo de treinamento”, uma formação própria do clube Botafogo, onde o jogador, para onde quer que vá, tenha um estilo próprio de jogar típico do Botafogo de Futebol e Regatas, criando com isso não só um vínculo profissional entre Botafogo e atleta, mas também um vínculo educacional, psicológico e esportivo.

Isso porque o futebol de base não serve, prioritariamente, para revelar grandes craques, mas sim bons jogadores que possam sempre jogar bem pelo Botafogo. O craque é uma eventualidade que acontece quando o trabalho é bem-feito, mas o bom jogador pode ser sempre fabricado, se tiver um mínimo de talento e boa formação.

Se esse jogador for formado pelo Botafogo, tendo como finalidade o time profissional do Botafogo, não tem como não termos um profissional talentoso, com amor à camisa e pronto para ingressar no time.

E, diga-se, o time profissional está precisando desse tipo de profissional.

Mas futebol profissional é só semana que vem.

Até!


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Total: 23 comentários



04/01/10@20:10

Amigos, peço desculpas novamente por não revisar o texto, mas levei horas fazendo esse e fiquei bem cansado.

Amanhã vou fazer expediente no escritório o dia todo, mas quarta de manhã eu reviso, sem falta.



04/01/10@20:45

excelente texto.

parabéns.

Precisamos desse tipo de discussão.



04/01/10@21:07

Bernardo,

parabéns a você e ao nosso amigo Sonic, gostei muito.

Abraços, Ronaldo.



04/01/10@21:31

Grande Kosh,

primeiremente gostaria de te parabenizar por fazer um estudo de profundo conhecimento técnico, em segundo em ser humilde e pedir a ajuda do nosso grande amigo Sonic para esclarecer alguns pontos que ainda trariam dúvidas a sua pessoa em relação as divisões de base. Em terceiro, acho que a publicação dessa obra seria limitada as pessoas que queiram ter uma em casa, ou melhor, eu pagaria para que uma seja entregue a cada homem forte do futebol do nosso glorioso clube. Parabéns!

Um colossal abraço.



04/01/10@22:42

Muito bom. É uma alegria saber que você faz parte do quadro social do Botafogo e que, se o clube sobreviver no futuro, poderá um dia exercer papel de importância na administração.



04/01/10@23:43

Mais um capitulo muito bom. Esperamos todos que a base se torne ponto de honra de verdade para essa diretoria e as proximas e que passem a formar bons valores em condições de vestir a Gloriosa Camisa do Botafogo.
Parabéns mais uma vez, Kosh.



05/01/10@00:35

Excelente! O Botafogo precisa de gente como voce! Essa história de MH tem que virar passado mesmo... vamos olhar pra frente!

Saudações



05/01/10@09:32

Kosh, parabens pela materia!!! Mas um excelente capitulo. Já estou salvando os anteriores, em uma pastinha para imprimir ao fim da serie, vale a pena guardar!!!!



05/01/10@09:43

Kosh, na parte em que trata do local onde poderiamos montar nosso CT, voce citou o Tigres e o Fluminense, 2 clubes com uma estrutura fantastica em Xerem, mas o Vasco tambem possui um terreno, na rodovia Washigton Luis, ao lado do Hospital Moacir do Carmo, e do Caxias Shopping. No momento, tem apenas um campo de futebol no local, onde acontecem treinamentos das equipes mirim, infantil e juvenil. E ainda, são feitas peneiras, para descobrir talentos!!!
E ainda, o America, tem um CT modesto, em Santa Cruz da Serra, onde treinam os juniores!

O Botafogo, poderia sem muito trabalho, conseguir um terreno em Caxias, junto a prefeitura da cidade, assim como em outros lugares citados pelo amigo!



05/01/10@10:06

Sobre as escolinhas.

Não gosto da ideia de terceirizar as escolinhas, aliás, não gosto da ideia de ganhar dinheiro com meninos que queiram desenvolver seu talento.

Quem acompanha as escolinhas na varzea, sabe que bem poucos os meninos dali levam jeito para viver do futebol, por isso, não se pode abandonar a escola. O Botafogo, poderia lançar escolinhas voltadas para o lado social tambem, contando com o apoio de torcedores que gostam desse trabalho.
Para isso, bastaria vincular sua imagem a escolinha, e tentar atender o colaborador em suas necessidades, como por exemplo, enviar um jogador do clube ou ex-jogador para visitar os meninos desse nucleo, Sortear entre os meninos materiais oficiais, levar alguns para conhecer a estrutura do clube, como no Engenhão e em General Severiano. Algo simples, mas que despertaria nos meninos um interesse maior pelo clube.

Hoje essa ligação com a DUNA, além de estranha e duvidosa, não me passa confiança de que os meninos serão aproveitados no clube, como foi o caso citado pelo Sabbato, falando sobre o "Carteirinha" menino de 10 anos, que treinava em um nucleo de Petropolis, que foi esquecido.
Além do mais, o dinheiro gerado pelas escolinhas, é muito pequeno, basta verificar o contrato de franquia e fazer os calculos.



05/01/10@10:06

kosh, meu pai e tios chegaram a jogar em categorias de base na década de 60 e 70 e conversam de vez em qdo com alguns conhecidos da área. o que eles dizem é que está cada vez mais difícil formar laterais no país, devido à implantaçao do esquema 352 na base. há entrevistas do paulo autuori reclamando disso tb. q tipo de treino pode ser feito nesse sentido? a maioria dos times no brasil adota esse esquema. é lógico que a base tb vai adotar. e os laterais? como ficam?



05/01/10@10:12

O Botafogo voltou a ser preguiçoso no que se trata de encontrar jogadores.

Hoje montamos nossos times observando atletas de outros clubes, não que isso seja errado, mas quando pegamos um jogador da categoria JUNIOR do CFZ, já pegamos um jogador trabalhado daquela maneira, quando o ideal, é fazer o que voce sugere, Kosh.

Mas isso dá trabalho. E de trabalho o Botafogo tá fora!!!



05/01/10@10:21

João Leonardo, a base do Botafogo atualmente, joga no 4-3-3, priorizando a formação de atacantes, o que a meu ver é um erro, mas isso é tudo voltado para o mercado, afinal, quem mais sai do país, são atacantes.

No Botafogo, uma area que recebe um tratamento muito bacana são os goleiros, estes tem recebido uma formação muito boa!



05/01/10@11:05

O que poderia ser feito para colocar estas idéias em prática, textos como este, feito com trabalho e muita competência não podem ficar somente neste blog. Gostaria de saber como voce, Bernardo, pretende aplicar estas idéias e como nós, torcedores poderemos ajudar a consertar o nosso Botafogo?



05/01/10@14:15

Muito Bom!

Os textos do Kosh me são como uma bofetada de informações, que ardem e geram questionamentos ao longo do dia.

R.G.M.V.



05/01/10@20:24

Muito boa como um todo, e com dois pontos que merecem destaques.
Adeus Marechal urgente, no máximo, se mantiver a posse, convênio com um clube local para uma escolinha.

Escolinhas no país inteiro - pelo que conheço bem do meu estado, e que não é pouco, é factível convênio com Prefeituras Municipais, utilizando verdadeiros estádios parados por falta de incentivo. Existem mais de 100, beirando a 200 cidades nessa situação.
O Clube precisaria facilitar apenas aquisição de materiais, e gerir de uma forma que essas escolas se auto-sustetam, e cujo objetivo seja o vínculo do futuro atleta.



05/01/10@20:30

Sonic,

li uma vez que o CARLOS ALBERTO PARREIRA ganhou um terreno da prefeitura de DUQUE DE caxias e montou um CT.

Não sei o motivo do Botafogo não seguir a mesma linha.



05/01/10@21:44

kosh,

mais uma vez te parabenizo pelo artigo.

assim, como outros companheiros, vejo em vc potencial par em futuro próximo ser o comandantte do nosso clube.

sobre a parte de treinamentos, estamos muito atrasados, pois não há objetivos definidos e, portanto, impossibilidade de planejamento adequado.

há um divórcio hoje no brasil, dos treinadores com os fundamentos básicos do futebol e tudo se reduz as bolas paradas.

saudações botafoguenses



06/01/10@23:00

PARABÉNS KOSH, MUITO BACANA CARA



08/01/10@14:01

EXCELENTE.... SEGURAMENTE ESTE ANTEPROJETO SERÁ CAPITALIZADO POR ALGUMA MENTE SÃ EM GENERAL SEVERIANO....
PARABENS KOSH...



08/01/10@15:05

Exelente Kosh,este metodo de treinamento aliado a qualidade tecnica natural da molecada certamente dara bons frutos.

 


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