NOSCE TE IPSUM e MADHYAMA PRATIPAD
Por Bernardo Santoro
Em 09/12/2009, às 12:20:06
Nosce te ipsum – variante latina da inscrição grega γνῶθι σεαυτόν. Essa é a mensagem que se encontrava no pórtico do Templo de Apolo, em Delphos, na Antiga Grécia.
Esse aforismo, traduzido para a língua portuguesa como “conhece-te a ti mesmo”, é a pedra fundamental da filosofia do grande Sócrates. Segundo o maior dos sábios, significa ter uma consciência racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria vida. Isso aqui é um site sobre Botafogo e essa coluna é sobre Botafogo, logo, devem todos estar se perguntando: e o que o Botafogo tem a ver com isso? Na minha opinião tem tudo a ver com isso. Passada a emoção da permanência do time na primeira divisão, nos encontramos em um novo momento de reflexão, para reconstrução da instituição e organização dos anos vindouros. QUEM OU O QUE É O BOTAFOGO? A organização dos anos vindouros seria muito mais fácil de ser feita, sempre com bases racionais, se o Botafogo tivesse plena consciência de quem é, e para onde quer chegar, dentro do modelo socrático exposto anteriormente. Se o Botafogo soubesse o que é e aonde quer chegar, seria muito mais fácil corrigir erros e paulatinamente crescer, de maneira sustentável e gradativa. Infelizmente, não é o que ocorre. O QUE É O BOTAFOGO PARA A ATUAL DIRETORIA. A impressão que fica é que A DIRETORIA DO BOTAFOGO ACHA QUE O BOTAFOGO É MUITO MENOR DO QUE REALMENTE É! Essa observação é sustentada por diversos fatos ocorridos ao longo desse primeiro ano de gestão: 1 – A submissão à CBF e FERJ. 2- A submissão à Globo. 3 – O colaboracionismo ao Flamengo e evidente entrega da Taça Rio. 4 – A submissão econômica do Botafogo ao Cruzeiro, no que tange a contratações, fazendo do Botafogo um time-satélite do time de Minas, tanto para valorizar jogadores encostados do Cruzeiro quanto para fornecer gratuitamente boas revelações nossas a eles. 5 – A submissão econômica a investidores que, se não bastassem, ainda investem pouco e mal. 6 – A entrega do Engenhão ao Flamengo e ao Fluminense, sob o argumento que não podemos nós, torcedores do Botafogo, autosustentar um estádio, coisa que até o Wigan Athletic ou o Villareal, times de cidades com cerca de 50.000 habitantes, conseguem; e pior, ainda ser esnobados por ambos pelo anúncio de uma nova Arena Petrobras na Ilha do Governador. Vejam que essa lista não é taxativa, é apenas exemplificativa, pois se eu tivesse mais acesso às entranhas do poder em GS certamente acharia muito mais. Queria, ainda nesse sentido, dar destaque ao mais evidente exemplo dessa pequenez de pensamento da diretoria: as péssimas contratações desse ano, sem nenhuma contratação de peso, salvo a aposta bem feita no Maicossuel que, no entanto, já foi a preço de banana. Jóbson é o mesmo exemplo. Por todos os motivos elencados e não elencados, a diretoria do Botafogo não conhece o Botafogo, e o acha pequeno demais. Assim sendo, o Botafogo acabará do tamanho que eles querem. O QUE O BOTAFOGO É PARA ALGUMAS FIGURAS HISTÓRICAS DO BOTAFOGO, PARA A MAIORIA DOS TORCEDORES E PARA A MAIORIA DOS MEMBROS DA OPOSIÇÃO À DIRETORIA DO BOTAFOGO. Todos os meus leitores sabem que eu mesmo sou da oposição à atual diretoria. Nem vou entrar novamente no mérito disso, pois os que acompanham essa coluna estão carecas de saber. Nem por isso, contudo, eu coaduno com o pensamento de grande parte da oposição no clube. Tenho plena consciência que o que eu escreverei a seguir será, para muitos, um grande escândalo e extremamente polêmico, mas alguém precisa falar sobre isso, e parece que esse alguém serei eu. Para a maior parte da oposição, para a maioria absoluta dos torcedores do Botafogo, e até para alguns membros da diretoria, O BOTAFOGO É MUITO MAIOR DO QUE REALMENTE É! Nas listas de discussão do clube e nos fóruns da internet, e até mesmo ao vivo, eu vejo propostas malucas. Já ouvi várias pérolas nesse sentido, dita por gente séria e muitas vezes ligada à diretoria do clube. Vou listar apenas algumas: 1 -O Eike Batista está negociando para trazer o Ronaldinho Gaúcho para o Botafogo. 2 – Precisamos ousar e trazer vários craques de seleção para encher o Engenhão. 3 – Podemos fazer um programa de Sócio Torcedor para 200.000 pessoas, a 25 reais cada, com 5 milhões mensais de arrecadação. 4 – O Botafogo tem 9 milhões de torcedores no país. 5 – Vamos ter o maior patrocínio de camisa do país com a Pepsi e a Liquigás. Esse tipo de pensamento romântico é até bonito, não vou negar, mas totalmente surreal, desconectado da realidade. Partir de premissas mentirosas como essas para administrar o Botafogo somente vai gerar dívidas, atraso de salários e crise econômica e esportiva. Não é disso que o Botafogo precisa. O QUE É O BOTAFOGO DE VERDADE A partir de qualquer foco, à exceção do histórico, onde somos um time realmente grande, o Botafogo é, para todos os efeitos, seja por renda gerada, ibope de televisão, número de torcedores, patrocínios e títulos, um time médio em âmbito nacional. É muito importante termos essa visão realista para que, através de um planejamento sério, possamos, a longo prazo, voltarmos a sustentar a posição de grandes do futebol brasileiro que possuíamos há 40 anos. O Botafogo hoje possui não mais que 3 milhões de torcedores no país (ora, se o Flamengo tem 30, não podemos ter 9 nunca, pois não somos, nem nos melhores sonhos, um para cada 3 flamenguistas), e somos, de acordo com pesquisa recente, 12% da população do Grande Rio, ou seja, pessoas que podem, potencialmente, ir a todos os jogos do Botafogo no Engenhão (os botafoguenses que moram longe só podem vir de vez em quando). Nós estamos na terceira faixa de arrecadação de TV (16 milhões/ano, atrás da faixa de 21 e 18 milhões/ano), estamos na 11ª posição em assinaturas de PPV (na frente apenas do Santos, entre os grandes), nossa média de público foi a 17ª da Série A nesse ano e a 24ª somando todas as divisões (atrás até do Central de Caruaru/PE – série D). Em matéria de Sócio Torcedor, temos hoje 3.000 assinantes, contra 5.000 do Joinville/SC. Vejam que muitos desses números precisam e podem ser mudados com urgência. O EXEMPLO DOS RIVAIS Antes de qualquer coisa, vocês nunca lerão nesse espaço uma referência aos nossos adversários regionais como co-irmãos, a não ser de forma irônica. Irmã eu só tenho uma, minha adorada Bianca, e meus co-irmãos são vocês, torcedores do Botafogo. Flamengo, Vasco e Fluminense são adversários, rivais; nunca co-irmãos, amigos ou coisa que o valha. Dito isso, vejamos o exemplo recente de sucesso dos RIVAIS, que, ao entenderem quem são, puderam crescer e atingir objetivos inesperados. O Flamengo estava perdido. Ganhou um estadual mais em cima da subserviência da diretoria do Botafogo do que qualquer outra coisa. No meio do campeonato trocaram toda a direção do futebol, do vice de futebol até a comissão técnica, trouxeram antigos ídolos de volta, efetivaram um técnico identificado com o clube, apostaram na força econômica da torcida e ganharam o PENTA brasileiro (hexa droga nenhuma, 87 foi do Sport). O Vasco entendeu a sua situação, trouxe jovens valores, reduziu a folha de funcionários e foi um sucesso na série B, mandando, inclusive, jogos de apelo no Maracanã. Manteve a base vitoriosa e está dando um exemplo de como se contratar bem e barato nesse começo de janela de transferências, sempre de maneira pontual e de acordo com as necessidades do clube. Com um nome de peso de referência no ataque, tem tudo para chegar até na Libertadores no ano que vem. O Fluminense entregou no meio do campeonato a gerência de futebol para o excelente movimento “Flusócio”, afastou praticamente todos os jogadores da Unimed e pôs os garotos para jogar. Fez o impossível, manteve-se na primeira e quase ganhou um título internacional. Se tivesse um pouco mais de camisa tinha até conseguido. Já o Botafogo, bem, o Botafogo teve uma eleição fraudulenta “vencida” por um senhor sem nenhuma expressão política dentro do clube ou fora dele, uma vice-presidência de futebol lamentável, gerenciada por um senhor que rebaixou o Figueirense e quase rebaixou o Flamengo, subordinada aos interesses de investidores (o gerente é cunhado de um dos principais investidores, que diga-se, é flamenguista), loteou as poucas promessas da base para empresários e é refratária a qualquer tipo de colaboração da torcida ou democratização do corpo social. Destruiu o programa de sócio torcedor e fez contratações ridículas. Passa mais tempo reclamando da torcida do clube do que fazendo uma auto-análise dos próprios erros. O futuro não parece promissor. A SOLUÇÃO - MADHYAMA PRATIPAD, OU O CAMINHO DO MEIO Caminho do Meio, ou Madhyama Pratipad, é uma tradicional expressão budista que procura, de um modo sucinto, apontar o rumo àqueles que se propõem a dar seus primeiros passos em direção à sabedoria ou, pelo menos, ao alívio de seus conflitos. Vejam que eu não sou budista, mas aprecio a sabedoria não importando a fonte. Segundo Buda, o homem só pode ir para frente tendo real conhecimento de si mesmo e um plano que se coadune com as suas necessidades, suas características pessoais e suas possibilidades. É evidente a interconexão entre a sabedoria budista e a socrática. No Botafogo, contudo, essa sabedoria milenar é esquecida. De um lado pessoas insanas querendo fazer com que o Botafogo dê um passo muito maior que as suas pernas, e de outro pessoas cujos objetivos são modestos e desencontrados com a realidade da força do clube. O que o Botafogo precisa é de uma reformulação geral, com levantamento técnico de dados que permitirá maximizar todas as nossas rendas, explorando a força da torcida dentro de uma realidade fática, e não uma surreal, com um sócio-torcedor barato, democrático e com perspectivas reais. Precisamos de um ST com direito a voto. Precisamos também de dirigentes identificados com o clube e ex-ídolos trabalhando no setor de futebol, tanto na base quanto no profissional. Precisamos lançar os jogadores vindos da base, ainda que não sejam muito bons, mas que sejam identificados com o clube, e reforçar esse time com 4 ou 5 bons jogadores, não mais do que isso, e investir na base para que, nos anos seguintes, só precisemos reforçar com 3 ou 4 bons jogadores. Precisamos ter como investidores prioritários a própria torcida do Botafogo, sem descartar a parceria com empresários, mas mostrando QUEM É QUE MANDA, como o Internacional faz, por exemplo. Temos que ter em mente que nenhum patrocinador pagará a mesma coisa que paga para o Flamengo, mas que pode, ainda assim, ser um bom patrocinador. Precisamos cada vez mais identificar o Engenhão como sendo do Botafogo, e não o contrário, como defende a atual direção, e a melhoria do estádio com novos serviços não impede a caracterização do Engenhão como sendo do Botafogo, e vice-versa. Ambos devem acontecer simultaneamente. Não temos o tamanho da torcida do Flamengo, mas também não somos o América do Lido. É o caminho do meio. Precisamos trabalhar com as potencialidades na nossa realidade atual, sem subestimá-la ou superestimá-la. Precisamos trabalhar com a nossa realidade e, através dela, buscar a realidade ideal e, quem sabe, em longo prazo, voltarmos a ser quem um dia fomos - O ORGULHO DO FUTEBOL BRASILEIRO! |