Claudio Honigman, presidente do Figueirense Ltda — Foto: Patrick Floriani/FFC
No momento em que clubes brasileiros voltam a considerar a transformação em clube-empresa – com casos como a compra do Bragantino pela Red Bull, a aparição do Botafogo-SP como companhia com fins lucrativos e os estudos do Botafogo carioca no mesmo sentido –, o Figueirense serve de alerta para o restante do mercado.
O clube catarinense optou pela criação de uma empresa limitada para administrar seu futebol, o Figueirense Ltda, e vendeu 95% de sua participação para um investidor privado. Alguém que, pelo menos em teoria, colocaria dinheiro e profissionalizaria a administração a ponto de tornar o Figueira esportivamente competitivo.
Após um ano e meio de operação, a realidade mostra o contrário. Com salários atrasados aos meses, jogadores do Figueirense optaram por um modo mais incisivo de protestar contra o descaso dos dirigentes: não entraram em campo e perderam por W.O. para o Cuiabá na Série B.
Para entender a falta de dinheiro do Figueirense Ltda, o blog obteve, com a cooperação do jornalista Rodrigo Faraco, o contrato que regra a parceria entre o antigo Figueirense e a Elephant, investidora que comprou o direito de administrar o futebol profissional do clube.
Como funciona o clube-empresa?
O Figueirense, enquanto associação sem fins lucrativos, concordou em transferir todos os ativos do futebol profissional para uma empresa, a Figueirense Ltda. O contrato foi assinado entre as partes em 8 de agosto de 2017 e tem duração pré-estabelecida em 20 anos.
O Figueirense Ltda é uma empresa dividida em 95% para a "investidora", uma empresa chamada Elephant Participações Societárias S/A, e 5% para o Figueirense Futebol Clube, a associação. No entanto, a associação não possui nenhuma ingerência sobre a administração.
Quais são as obrigações do Figueirense Ltda?
Em contrapartida à transferência dos ativos do futebol profissional, a empresa controlada pela Elephant assumiu algumas obrigações perante o Figueirense Associação. Todas previstas em contrato.
- Assumir a responsabilidade sobre dívidas. Segundo os balanços financeiros referentes a 2018, o Figueirense Ltda assumiu R$ 22 milhões que antes pertenciam ao Figueirense Associação
- Repassar 10% da receita obtida com associados para o Figueirense Associação, com mínimo de R$ 50 mil e máximo de R$ 70 mil por mês
- Repassar 5% das receitas com bilheterias de jogos de futebol e 10% do lucro líquido de eventos não relacionados a futebol para o Figueirense Associação. O dinheiro deve ser usado em melhorias no estádio Orlando Scarpelli. Com mínimo de R$ 500 mil por ano
O contrato estabelece que as quantias mínimas precisam ser pagas pelo Figueirense Ltda de qualquer jeito, independentemente das receitas que a empresa obteve com associados ou estádio. Caso elas estejam baixas, a companhia precisa colocar dinheiro próprio para cumprir o mínimo.
Nos balanços referentes a 2018, há destaque para uma dívida de R$ 600 mil do Figueirense Ltda com o Figueirense Associação. Isso indica que as receitas não foram suficientes para o pagamento dos percentuais, nem a investidora colocou dinheiro adicional para cumprir o contrato.
O estádio foi transferido para o Figueirense Ltda?
O Orlando Scarpelli continua sob a propriedade do Figueirense Associação, no entanto foi feito um contrato de comodato (empréstimo gratuito) para que o Figueirense Ltda faça a operação do estádio e usufrua de suas receitas. O comodato dura pelos mesmos 20 anos.
Quais são as metas esportivas do Figueirense Ltda?
O contrato entre empresa e associação estabelece metas esportivas, que precisarão ser atingidas durante o período da parceria.
- "Alta competitividade" em campeonatos estaduais
- Permanência na Série A do Campeonato Brasileiro por 14 anos
- Conquista de um título do Brasileiro ou da Copa do Brasil, ou
- Conquista de um título de abrangência internacional (Libertadores ou Sul-Americana), ou
- Alternativamente aos dois itens anteriores, conquista de três classificações para a Libertadores ou seis para a Sul-Americana
O Figueirense está na metade inferior da tabela da Série B.
Quais são as metas financeiras do Figueirense Ltda?
A Elephant, investidora, comprometeu-se por contrato a "empregar seus melhores esforços" para fazer com que a empresa seja superavitária durante todo o período da parceria. Quando houver deficit de caixa, a investidora estará obrigada a buscar os recursos necessários.
Em 2018, o Figueirense Ltda registrou um deficit de R$ R$ 30 milhões. Mesmo se forem subtraídos os R$ 22 milhões em dívidas do Figueirense Associação que foram assumidos pela empresa, uma despesa com mero valor contábil, as contas continuam com um prejuízo de R$ 8 milhões.
Quais são as dívidas do Figueirense Ltda?
Em 31 de dezembro de 2018, a empresa controlada pela Elephant possuía R$ 23 milhões em dívidas com bancos, governo, jogadores, fornecedores e com o próprio Figueirense Associação. Mais de 90% deste valor precisariam ser pagos no curto prazo, no decorrer de 2019, motivo para as dificuldades financeiras que ocasionaram em atrasos salariais.
O que pode motivar a rescisão da parceria?
O contrato entre Figueirense Associação e Elephant prevê situações em que as partes, qualquer uma delas, podem rescindir unilateralmente o contrato que rege o Figueirense Ltda.
- Descumprimento de condições e obrigações previstas no contrato, desde que não sanado em prazo de 60 dias a contar a partir do recebimento da notificação para a rescisão
- Não participação do Figueirense no Campeonato Catarinense ou no Campeonato Brasileiro em qualquer uma de suas divisões
- Cancelamento de inscrição na Federação Catarinense de Futebol
- Recuperação judicial, dissolução ou liquidação judicial ou extrajudicial
- Caso a companhia não atinja a performance financeira e a investidora não tome providências para sanar os efeitos do não atingimento
Os itens acima constam na cláusula 3.11 do contrato, referente à "rescisão". Ainda há outra possibilidade para o término da parceria, a depender a interpretação que advogados as partes poderão fazer dela.
O contrato prevê em sua cláusula 3.13, referente à "revisão do cumprimento da performance esportiva", que o Figueirense Associação terá direito de rescindir contrato e comprar a participação da Elephant em caso de rebaixamento para a terceira divisão do Brasileiro.
Neste caso, o Figueirense Associação precisaria pagar à Elephant a quantia de R$ 9.500 (nove mil e quinhentos reais) corrigidos pelo IPCA. Atualmente, em agosto de 2019, este valor corresponderia a R$ 10.245.