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  A “BANCA DE REVISTAS DO ZOCA” E O FUTURO DO BOTAFOGO

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Goiânia/GO

Garrincha


Em 03/03/2021 às 10:36

A “BANCA DE REVISTAS DO ZOCA” E O FUTURO DO BOTAFOGO

Charles Baudelarie, poeta francês e autor do clássico “As Flores do Mal”, numa das passagens marcantes da obra (“O Cisne”), ao descrever a história das mudanças da cidade luz, resume numa frase como o tempo passa depressa demais na mente de quem sente saudades de algo ou de alguém que nos deixa a reviver o passado: “Foi-se a velha Paris”.

Interpreto que Baudelaire, no texto livro, referia-se a todas as cidades do mundo. Em Belo Horizonte, por exemplo, já não existe mais a boemia saudosa das noites agitadas da Lagoinha; sabe-se lá se ainda há o entra e sai no velho “Café Palhares”, onde gente de toda sorte misturava-se à elite da capital mineira para, ao meio dia em ponto, comer em pé aquele prato feito, Kaol, que só os mineiros dos anos 70 sabiam fazer... Na capital do Estado de Goiás, onde resido desde 1973, foi-se o “Café Central”. O velho centro mudou, assim como mudaram os centros velhos de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Menos mal, na capital paulista o bar “Faixa de Gaza” ainda resiste ao tempo, no mesmo local, com a correria apressada dos jornalistas, a entrar e a sair, no estabelecimento situado no andar de baixo do edifício da extinta “Gazeta Mercantil”. No Rio de Janeiro, o “Bar das Quengas”, situado nas proximidades do Arco da Lapa, o tempo não consegue apagar o glamour de um ambiente frequentado por pessoas comuns, políticos, artistas, intelectuais de toda sorte.

À distância, fico a imaginar o que teria acontecido com aquele ponto de parada obrigatória nos anos 60/70, terra onde vim ao mundo e para onde serão espalhadas ao vento, no alto da Pedra do Bueno, a cinzas do meu corpo esquálido, quando eu partir desta para outra vida.

Refiro-me não a um estabelecimento luxuoso, a um grande restaurante, tampouco a uma panificadora bem equipada, nem tampouco aos comuns estabelecimentos  que serviam bebidas em “copos americanos” (aquele modelo de copo desenvolvido e produzido pela empresa Nadir Figueiredo, muito utilizado em padarias, bares e botecos do Brasil e que, em razão dos atuais sem graça copos de papel, quase não existem mais), mas tão somente à velha “Banca de Revistas” (como era nominado o pequeno quiosque de compensados, pintado a tinta óleo em verde-exército e cobertura de zinco, de propriedade de um senhor conhecido por “Zoca”).

E por favor, não me perguntem se o risonho e solícito “Zoca” tinha nome e sobrenome; se também fora criança um dia; se a sua mãe lhe passara Talco Jonhson no bumbum quando ainda era pequeno; se jogou finca, peão, brincou de “guarda meu anelinho bem guardadinho” ou se havia casada com a menina a quem deixara em suas mãos a argolinha com pedrinhas de vidros que comprada na Venda da cidade, quando estava na faixa dos dez para quatorze anos de idade.

Explico: Para nós, amantes do bom futebol jogado pelos times cariocas daqueles tempos idos, a “Banca de Revistas do Zoca” era, simplesmente, o “point” cultural da cidade. E o “Zoca” era, digamos assim, “O Zoca”, ou seja “O cara” – o quanto nos bastava na hora de “trocar dois dedinhos de prosa” sobre o esporte na cidade.

De igual modo, para as meninas que vestiam saias ou vestidos plissados, ponto de encontro para comprar revistas de fotonovelas Capricho, Contigo e a antiga Revista do Rádio que ali se achavam expostas, penduradas com pregadores de roupas em arames para quem mais quisesse se atualizar acerca do iê-iê-iê (denominação do rock´nrol brasileiro da década de 1960 que deu origem ao movimento “Jovem Guarda”), a “Banca do Zoca” constituía-se, portanto, em espécie estabelecimento de “utilidade pública” – apesar de acanhada e modesta construção de madeira.

De vez em quando, na escuridão da noite, apanho-me a recordar o passado e a indagar por quais motivos a velha “Banca de Revistas” mingau era tão querida numa cidade quente, de ruas empoeiradas, como o era a Nanuque dos anos 60 e 70, do século passado. O segredo do seu sucesso, que levava pobres e ricos, brancos e negros, trabalhadores e “filhos de papai” a frequentar o ambiente, de segunda a segunda, desde as primeiras horas do dia, até o Sol arder no horizonte e, não raras vezes, até o seu poer, escondendo-se detrás da Pedra do Bueno, num vaivém de pessoas que não parava, decorriam dos assuntos relacionados aos áureos tempos do futebol brasileiro, dos timaços que o Botafogo tinham na época em que mais cedeu jogadores à Seleção?

A “Banca de Revistas” constituía-se em ponto obrigatório para quem pretendia atualizar-se sobre o que ocorria nos clubes de futebol numa época em que os sinais de TV ainda não existiam na cidade, ou porque o amigo torcedor do Bangu, que tinha por ídolo o craque Bianchini?

Sucesso do “banca” teria sido porque o “Zoca” era mais que um mero jornaleiro, que a todos ouvia e a ninguém dizia sobre aquilo que seus ouvidos seletivos acabaram de escutar e estava sempre ali, firme, altivo, ético, mantendo-se atento, solícito, a atender a todos, com aquele sorriso largo e olhar entremeado por soslaio típico de quem aprendeu, com o tempo, a portar-se quietinho, no velho estilo mineiro, sonso, desconfiado para não perder a freguesia?

Pois é...

Mudo o disco dessa prosa para dizer que quiser sobreviver na pós-modernidade, o Botafogo terá que aprender que “o passado é uma roupa que não lhe serve mais”, ou seja, que o passado é apenas uma referência, não um lugar de residência; o que futebol que jogou no seu passado de glórias deve ser visto apenas como escola de aprendizagem, não para viver no futuro.

Por causa do seu comportamento gerencial do passado, por não saber ditar tendências, além de ser um clube que sempre se manteve desconectado com as velocidade das informações que sempre influenciaram o futebol mundo afora; por não ter sido um clube capaz de manter conexão com os torcedores “Baby Boomers”, “Geração X”, “Geração Millenials” e “Geração Z”, é que o Botafogo precisa mudar a sua identidade; sepultar imagem do “ter” – que tanto orgulha o torcedor botafoguense saudosista – para transformar-se num clube de “ser”.

E quando digo “ter” refiro-me ao orgulho de “ter sido o time que mais cedeu craques para a Seleção”, ou ao “time que mais teve craques estampados em capas de revistas e de jornais” na época de ouro que o clube viveu no passado; “ter mais quadros emoldurados nas paredes de bares ou em estandes de museus de futebol”, ou ainda, “ter seu nome mais pronunciado pela mídia esportiva como sinônimo de revelador de talentos no passado”.

Para continuar a existir, o Botafogo, definitivamente, terá que trocar o verbo “ter”, pelo “ser”, pois o que geração de hoje, que aprecia futebol, quer mesmo é “ser” feliz, se divertir, “ser” alguém inserido no contexto do clube que ama; “ser” tratado como nº 1 – não “ser mais um”; “ser” antenado, não questionado ou posto à prova a todo instante.

Noutras palavras,  ou o Botafogo abandona a imagem de clube retratado nas páginas dos periódicos jornalistas vendidos na velha e extinta “Banca de Revistas do Zoca”, ou se insere dentro da chamada “Geração Z”, marcada por uma galerinha que desafia estereótipos e dita as próprias regras; que se reinventa a todo instante na busca de viver com simplicidade, comunicando-se em redes sociais e curtindo ecologia (apesar de consumista e dos conflitos e incertezas quanto ao futuro); uma geração individualista e dividida, mas diversificada, definida pela tecnologia, fluidez e busca de união de diferentes culturas, ou correrá o sério risco de permanecer com a imagem de “time de futebol que não atrai torcedores”.

Assim como Paris, a minha Nanuque também mudou. Somente o Botafogo não mudou: Continua o mesmo patinho feio, a viver de um passado romântico, preso a referenciais históricos, aos craques da época gloriosa em que o seu time era escalado até por torcedores rivais: “Cáo, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gerson; Rogério, Roberto Miranda, Jairzinho e Paulo César” – só para citar uma equipe composta por uma das suas várias constelações de estrelas.

ANOS DOURADOS: IMAGENS & FATOS: IMAGENS - Revista: "REVISTA DO ESPORTE"

 

elramo

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Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 03/03/2021 às 11:57
 

Nanuque, terra de Neilton, que teve boa passagem pelo Botafogo... Suas histórias são sempre muito boas e interessantes.

Quanto ao Botafogo, acho que está começando um processo de ser, mesmo valorizando seu passado glorioso. Hoje, há uma perspectiva real de se profissionalizar o clube. Torcendo muito para que isso aconteça. 



Nicanor Passos

Desde 09/2020 • 3 anos de CANAL
Goiânia/GO

Garrincha


Em 03/03/2021 às 22:24
 

elramo disse:

Nanuque, terra de Neilton, que teve boa passagem pelo Botafogo... Suas histórias são sempre muito boas e interessantes.

Quanto ao Botafogo, acho que está começando um processo de ser, mesmo valorizando seu passado glorioso. Hoje, há uma perspectiva real de se profissionalizar o clube. Torcendo muito para que isso aconteça. 

De fato, Elramo. O Neilton é meu conterrâneo e somente depois que retornei à minha terra, depois de 45 anos, fiquei sabendo que ele nasceu na Vila Esperança, bairro onde também joguei futebol quando criança.


 
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