Em seu discurso de posse, em 2018, Nelson Mufarrej falou emocionado sobre responsabilidade fiscal, rigidez no controle das finanças e recuperação esportiva. Ele havia sido eleito com 74% dos votos, portanto com amplo apoio do quadro social alvinegro.
– Não tenho dúvida alguma de que a minha vitória e do meu vice, Carlos Eduardo, é fruto de uma proposta vencedora quando a maioria dos botafoguenses reconheceu termos tirado o Botafogo de um lugar que não merecia ter estado: a segunda divisão – disse o presidente.
Ele se referia a Carlos Eduardo Pereira, presidente anterior, de quem tinha sido vice-presidente. Grande parte do que aconteceu com o clube neste período, portanto, está sob a responsabilidade da dupla.
Entre outros nomes que participaram intensamente da administração, estão Carlos Augusto Montenegro, ex-presidente, e Ricardo Rotenberg, então vice-presidente comercial e de marketing.
Até pelo perfil omisso de Mufarrej, o presidente no papel, esses cartolas apareceram constantemente no noticiário por causa do "comitê executivo do futebol", criado para gerir o principal departamento.
Rotenberg fez festa com as contratações de jogadores estrangeiros, Honda e Kalou, e fez promessas na área comercial e no futebol. Ele disse em julho que não via elencos melhores do que o alvinegro e que "previa a briga pelas primeiras posições" no Campeonato Brasileiro.
Montenegro apareceu várias vezes. Uma para desabafar sobre a crise financeira e para contar que comprava até as bolas para que o time treinasse. Outra quando cogitou ser, ele mesmo, o técnico botafoguense. Apenas para citar algumas falas marcantes do cartola.
O resultado esportivo desta administração é conhecido por todos: mais um rebaixamento para a segunda divisão. E agora, após a publicação das demonstrações financeiras, abre-se a janela para que seja avaliado também o resultado nas finanças. Spoiler em uma palavra: catástrofe.
As finanças do Botafogo — Foto: Infoesporte
Panorama
A medida para a crise alvinegra está na comparação entre faturamento (tudo o que foi arrecadado no ano) e endividamento (tudo o que havia a pagar na data de fechamento do balanço). O Botafogo não vai bem neste exercício há... décadas. Mas recentemente piorou muito.
Com a queda da arrecadação, em 2020, o clube voltou ao patamar em que estava entre 2013 e 2014. O rebaixamento para a segunda divisão o fará arrecadar em 2021 muito menos do que em 2012. Enquanto o futebol pouco a pouco movimenta mais dinheiro, o Botafogo encolhe.
Por outro lado, entre as dívidas, o problema só aumenta. O clube chegou a registrar diminuição desses valores em 2017 – insuficiente, mas um fato momentaneamente positivo. De lá para cá, as pendências financeiras não pararam de subir e hoje passam dos R$ 900 milhões.
Receitas
Uma das fragilidades alvinegras está na baixa arrecadação. A começar pelos direitos de transmissão, nos quais o Botafogo teve problemas decorrentes do mau futebol apresentado em campo na temporada.
No Brasileirão, 30% dos valores de televisão aberta e fechada estão condicionados à tabela. Mas os rebaixados não recebem nada. Na Copa do Brasil, a eliminação nas oitavas de final para o Cuiabá impediu que novas "premiações" (contabilizadas como televisão) contribuíssem.
Em 2021, essa história piora ainda mais. No passado, integrantes do Clube dos 13 ou aqueles com quem a Globo firmou contratos longos (entre 2012 e 2018) chegavam à Série B e mantinham metade ou toda a cota de televisão. Desta vez, o Botafogo receberá só o pay-per-view.
O balanço ajuda a dimensionar quanto se pode esperar neste ano. A diretoria registrou R$ 22 milhões em pay-per-view na primeira divisão em 2020. Pode-se esperar uma redução no segundo escalão, em 2021, pois o valor acompanha a quantidade de assinantes. Mas é uma base.
O valor dos direitos de transmissão no gráfico abaixo vai acompanhado de um asterisco. Nele, estão contabilizados R$ 15 milhões que o Botafogo recebeu da Globo pela rescisão "amigável" (para encerrar disputa judicial) do contrato do Campeonato Carioca, que iria até 2024.
O desempenho do departamento comercial e de marketing foi ainda pior do que em anos anteriores. O Botafogo, que já chegou a R$ 25 milhões na soma de patrocínios e licenciamentos, fez menos de R$ 8 milhões em 2020. Adversários arrecadam várias vezes mais.
A participação da torcida reduziu, algo comum a todos os clubes na temporada passada. Como a pandemia suspendeu e depois fez campeonatos recomeçarem sem público, as bilheterias despencaram. Associações e sócios-torcedores caíram, mas não muito.
A única boa notícia está nas transferências de atletas, uma linha que o Botafogo não costuma arrecadar. Principalmente por causa da venda de Luis Henrique para Olympique de Marselha, o clube conseguiu R$ 42 milhões providenciais no final da temporada.
Orçado versus realizado
O trabalho da diretoria pode ser avaliado por meio da comparação entre orçamento (as previsões feitas pelos dirigentes para a temporada) e balanço (o que foi concretizado). Frustrações ficam evidentes.
No faturamento, a direção alvinegra contava com R$ 225 milhões. Na prática, conseguiu apenas R$ 157 milhões. Houve diferenças negativas em todas as linhas, até mesmo nas transferências de atletas.
Previsões mal feitas são problemáticas porque o clube, em teoria, monta suas despesas de acordo com as previsões de receitas. Se as projeções saem muito aquém do necessário, falta dinheiro para fechar a conta.
2020 | Orçado (em R$ milhões) | Realizado (em R$ milhões) | Variação (em R$ milhões) |
Direitos de transmissão | 110 | 89 | -21 |
Marketing e comercial | 20 | 7 | -13 |
Bilheterias | 11 | 2 | -9 |
Associação | 18 | 14 | -4 |
Outros | 4 | 3 | -1 |
Transferências de jogadores | 62 | 42 | -20 |
Folha salarial do futebol | -59 | -76 | -17 |
Resultado financeiro | -39 | -26 | +13 |
Resultado líquido | 57 | -139 | -196 |
No caso do Botafogo, a previsão também estava errada nos custos. Tratando-se do principal deles, a folha salarial do futebol, a diretoria gastou acima do que ela mesma tinha previsto para a temporada. E, mesmo gastando mais, montou um time rebaixado para a Série B.
Folha salarial é a combinação de salários, encargos trabalhistas, direitos de imagem e de arena. O blog destaca este custo porque é o que possui maior correlação com o futebol em campo. Jogadores melhores costumam ter remunerações mais altas e vencer mais jogos.
Mesmo com a ressalva de que a pandemia do coronavírus impôs dificuldades adicionais a todos os clubes, o Botafogo se saiu muito pior do que a própria diretoria projetava. Em vez de um superavit de R$ 57 milhões, houve deficit de R$ 196 milhões. Faltou muito dinheiro.