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Nicanor Passos
  O TARZAN BOTAFOGUENSE DA MINHA TERRA NATAL

Desde 09/2020 • 3 anos de CANAL
Goiânia/GO

Garrincha


Em 02/03/2021 às 10:49

O TARZAN BOTAFOGUENSE DA MINHA TERRA NATAL

Muito antes de a expressão “Torcida Organizada” tornar-se sinônimo de violência nos estádios e de demarcação de territórios por trogloditas mal amados e mal encarados e intrujões nos clubes de futebol, sempre ouvi dizer que na torcida do botafogo quem dava o tom nas animações da torcida alvinegra, nas arquibancadas do Maracanã era Tarzan – um mineiro que se mudara para o Rio de Janeiro e, de cara, apaixonou-se pelo time que possui o escudo mais bonito do mundo.

Pelas ondas que cortavam o ar e rumavam da capital do antigo Estado da Guanabara descambavam na terra onde nasci, com as orelhas coladas ao velho Rádio Semp posto sobre uma cristaleira na sala de visitas, escutava, entre as narrativas do locutor Waldir Amaral o som inebriante que vinham do velho Mario Filho invadindo minha imaginação: ora as marchinhas entoadas pela Charanga do Flamengo, comandada por um tal de Jaime de Carvalho; ora os instrumentos de sopro que empurrava a torcida do time alvirrubro da Zona Oeste da Cidade Maravilhosa, a cantar, nas arquibancadas de cimento cru: “Bangu, Bangu, Banguuuu!”

Ao cabo dos meus meia-meia, não me recordo se, naqueles tempos, a torcida botafoguense comparecia aos estádios para empurrar o time ao som de bandas musicais. Recordo-me, porém, daquele personagem que, por assim dizer, foi o primeiro Chefe de uma torcida organizada que o Botafogo teve. Refiro-me a um sujeito forte, musculoso, queixo quadrado, com o seu incomparável topete “maracanã” (como era conhecido o penteado estilo Elvis Presley) que se usava na época.

Apelidado de Tarzan, a imagem do animador e organizador da torcida alvinegra nunca saiu da minha cabeça, desde o dia que a fora de circulação “Revista do Esporte” estampou sua cara, numa das capas semanais. Ainda me recordo de “có e salteado, de frente pra trás, de trás pra frente, de bandinha, de cabeça para baixo e de revestrés” todas as respostas dadas ao jornalista, impressas em linotipos do velho periódico que concorria com a também extinta “Revista do Rádio”- esta dedicada apenas a mostrar a cara dos cantores que faziam as meninas se descabelarem nos anos 60.

Apesar disso e daquilo, o Tarzan que idolatrava nos tempos de mocidade não era o Chefe da Organizada do time que me escolheu para torcer. Nada disso. O ídolo era outro – um também torcedor do Botafogo, metido a falar inglês (embora analfa mãe de pai e beto), que conheci e com quem convivi boa parte do tempo em que passei na terra onde nasci.

Não, não me perguntem o significado de uma sequer expressão grafada em inglês, pois nunca fui bom aluno e nem frequentei cursinhos instrumentais, para aprender a escrever e a falar aquele vernaculuzinho mixuruca, desprovido da riqueza histórica que somente a língua portuguesa possui, fruto de um cabedal que a última flor do lácio lhe deixou de herança.

O fato é que para mim, a única coisa boa que a língua inglesa nos apresenta é a sua fonética, vale dizer, a parte da linguística que estuda e classifica os elementos mínimos da linguagem articulada (fones, sons da fala) em sua realização concreta; as particularidades fônicas do sistema linguístico determinado pelo povo num dado momento.

O que quero dizer com tudo isso é que, da língua inglesa, a única coisa significante que aprendi - não em salas de aula, mas ouvindo um carismático botafoguense, apelidado de Tarzan - foi repetir o que ele, o chapa fazia, em pronúncias e gestos escorreitos, o que acabara de ouvir e de assistir nas cenas reproduzidas na tela alva do Cine Bralanda, após as sessões das seis, nos domingos das minha Nanuque querida:

- "Relemenche, menche ó!"

- "Matche claine, claine ó rer!"

Para quem não o conheceu, não é demais lembrar quem foi o Tarzan, um carregador de fretes, senhor de meia idade, que vivia metido a falar inglês com os meninos abestalhados com quem mantinha interlocuções nas feiras sabatinas que aconteciam em frente ao Mercado Municipal de Nanuque, estacionando seu carro de quatro rodas construído com esmero por suas próprias mãos: Tinha a aparência do ator Johnny Weissmuller, que encarnou o herói em doze fitas, primeiro na MGM, depois na RKO, vestia-se e portava-se tal qual Maciste, inclusive trazendo amarradas aos pulsos aquelas munhequeiras de couro cravejadas de tachinhas brilhosas de percevejos.

O Tarzan que conheci entre a saída da infância e entrada da minha adolescência era “forte pra dedéu”: Dotado de uma musculatura digna de causar invejas a qualquer frequentador de academias dos dias que correm, era capaz de subir a imensa ladeira da Rua Alvinópolis puxando o seu carrinho de fretes (que media pra mais de metro e meio) amarrado com cordas à cintura e carregado com os produtos adquiridos pelas freguesas de sempre.

Subia puxando o pesado fardo, cantando, sorrindo, sem sequer pingar suor... Descia a mesma ladeira montado ao volante rumo ao velho local de trocas de mercadorias, embalado e, quando lá chegava ainda dava um "cavalo de pau" no possante de madeira. E aí do moleque que se atrevesse a estacionar carrinhos de fretes no lugar demarcado para a sua "máquina"! Sobrava sopapos pra todo mundo e voavam carrinhos de mãos a mais não querer!

Quando o vi pela última vez, postava-se ali, nas proximidades do extinto Banco da Bahia: Estava a confabular algo ininteligível com o seu amigo (e também chapa) Prego, um rapaz negro, de extenso bigode, baixinho metido a bom de bola, que gostava de vestir a camisa 7 no "Time da Boda" (Brasil F.C.), agremiação sediada no Bairro da Reta, da minha terra natal.

Que fim levou o meu amigo Tarzan, torcedor botafoguense, carregador de fretes que, sem saber ler as legendas dos filmes americanos reproduzidos nas telas dos cinemas da minha terra natal, vivia a repetir os sons da fala humana a quem mais quisesse aprender a falar inglês?

- "Relemenche, menche ó!"

- "Matche claine, claine ó rer!"

- “Ráu ari ulll? Mai neime is Rock Lane, guéu!”

- "Relemenche, menche ó!"

Eita que esse time só me dá alegrias!

- “Bo-ta-fo-go... Fogoooo... Fogooo!”

Nicanor Passos

Desde 09/2020 • 3 anos de CANAL
Goiânia/GO

Garrincha


Em 02/03/2021 às 10:51
 

Correção: Torcida do Botafogo ...=> e não botafogo

elramo

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 02/03/2021 às 12:16
 

Du cacete!!!! Muito bom. Suas narrativas são sensacionais... Tem sido bons momentos de deleite em meus dias...

cadu

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 02/03/2021 às 22:36
 

Excelente crônica!

Sobre o Tarzan chefe da Torcida Organizada do Botafogo: morei em Belo Horizonte de agosto de 1989 a junho de 1992. 

Sempre que podia, pegava um ônibus na sexta à noite para o Rio, voltando na noite de domingo à BH. Eram duas as empresas que faziam o trajeto: a UTIL, de Juiz de Fora, e a Cometa, com seus belos ônibus com carroceria de alumínio no melhor design americano dos anos 50 e poltronas vermelhas de couro legítimo.

Preferia viajar pela Cometa por causa das poltronas de couro, sempre limpas e cheirosas. Nos finais de semana prolongados, as empresas punham carros extras, com horários diferenciados por um minuto (23h58; 23h59, etc.) que saíam em comboio. Nas duas paradas no caminho, todos os que estavam na plataforma de embarque na rodoviária voltavam a se encontrar, se descessem dos ônibus para ir ao banheiro, tomar um café com pão de queijo ou apenas para dar uma 'esticada' no corpo.

E foi assim que conversei com o Tarzan, na parada do ônibus em Cristiano Otoni, no trajeto BH - Rio. Nessa época, ele já estava de volta a Belo Horizonte, onde fazia protestos contra políticos com cartazes fixados a cavaletes na calçada da Praça Sete de Setembro, a confluência da Avenida Afonso Pena com a Amazonas, Centro de BH, marco zero da cidade e onde está erguido o famoso obelisco em homenagem ao Centenário da Independência, conhecido como o "pirulito da Praça Sete".

Com certo receio, abordei o Tarzan, que estava no outro ônibus do comboio da Cometa e tomava café no balcão da lanchonete. Me identifiquei como botafoguense e disse que, quando criança, muitas vezes ficava na arquibancada bem ao lado da TOB (sigla da torcida). Lembramos do megafone que ele usava para comandar os coros, das lindas e enormes bandeiras oficiais - eram dez ou onze - e do respeito que havia entre torcedores rivais. Na época, o Tarzan ia até o centro da arquibancada para cumprimentar e trocar flâmulas com o representante da torcida visitante. Tempos elegantes em que o respeito, a cortesia e a boa educação ainda predominavam.

Ele contou que voltou a BH, sua terra natal, e nunca mais quis saber do Botafogo, decepcionado com o tratamento que recebera certa vez de dirigentes do clube, sem citar nomes. Não me explicou porque fazia os tais protextos na Praça Sete, mas sei que ele tinha alguma função na Cãmara de Vereadores ou foi vereador em BH. 

Nostálgicos, nos despedimos com a promessa de continuar o papo na parada seguinte, mas não o encontrei mais.

Otacílio Batista do Nasciemnto era o nome de batismo do saudoso Tarzan, torcedor-símbolo dos tempos de supremacia do Botafogo com todos os seus rivais. 

Em 1990, soube da sua morte em um acidente de trânsito pelos jornais. Acho que estava em campanha como candidato a deputado estadual de MG. 

 

 



cadu

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 02/03/2021 às 22:40
 

cadu disse:

Errata: * protestos, em vez de protextos.


Nicanor Passos

Desde 09/2020 • 3 anos de CANAL
Goiânia/GO

Garrincha


Em 03/03/2021 às 22:28
 

cadu disse:

Excelente crônica!

Sobre o Tarzan chefe da Torcida Organizada do Botafogo: morei em Belo Horizonte de agosto de 1989 a junho de 1992. 

Sempre que podia, pegava um ônibus na sexta à noite para o Rio, voltando na noite de domingo à BH. Eram duas as empresas que faziam o trajeto: a UTIL, de Juiz de Fora, e a Cometa, com seus belos ônibus com carroceria de alumínio no melhor design americano dos anos 50 e poltronas vermelhas de couro legítimo.

Preferia viajar pela Cometa por causa das poltronas de couro, sempre limpas e cheirosas. Nos finais de semana prolongados, as empresas punham carros extras, com horários diferenciados por um minuto (23h58; 23h59, etc.) que saíam em comboio. Nas duas paradas no caminho, todos os que estavam na plataforma de embarque na rodoviária voltavam a se encontrar, se descessem dos ônibus para ir ao banheiro, tomar um café com pão de queijo ou apenas para dar uma 'esticada' no corpo.

E foi assim que conversei com o Tarzan, na parada do ônibus em Cristiano Otoni, no trajeto BH - Rio. Nessa época, ele já estava de volta a Belo Horizonte, onde fazia protestos contra políticos com cartazes fixados a cavaletes na calçada da Praça Sete de Setembro, a confluência da Avenida Afonso Pena com a Amazonas, Centro de BH, marco zero da cidade e onde está erguido o famoso obelisco em homenagem ao Centenário da Independência, conhecido como o "pirulito da Praça Sete".

Com certo receio, abordei o Tarzan, que estava no outro ônibus do comboio da Cometa e tomava café no balcão da lanchonete. Me identifiquei como botafoguense e disse que, quando criança, muitas vezes ficava na arquibancada bem ao lado da TOB (sigla da torcida). Lembramos do megafone que ele usava para comandar os coros, das lindas e enormes bandeiras oficiais - eram dez ou onze - e do respeito que havia entre torcedores rivais. Na época, o Tarzan ia até o centro da arquibancada para cumprimentar e trocar flâmulas com o representante da torcida visitante. Tempos elegantes em que o respeito, a cortesia e a boa educação ainda predominavam.

Ele contou que voltou a BH, sua terra natal, e nunca mais quis saber do Botafogo, decepcionado com o tratamento que recebera certa vez de dirigentes do clube, sem citar nomes. Não me explicou porque fazia os tais protextos na Praça Sete, mas sei que ele tinha alguma função na Cãmara de Vereadores ou foi vereador em BH. 

Nostálgicos, nos despedimos com a promessa de continuar o papo na parada seguinte, mas não o encontrei mais.

Otacílio Batista do Nasciemnto era o nome de batismo do saudoso Tarzan, torcedor-símbolo dos tempos de supremacia do Botafogo com todos os seus rivais. 

Em 1990, soube da sua morte em um acidente de trânsito pelos jornais. Acho que estava em campanha como candidato a deputado estadual de MG. 

 

 

"Sempre que podia, pegava um ônibus na sexta à noite para o Rio, voltando na noite de domingo à BH. Eram duas as empresas que faziam o trajeto: a UTIL, de Juiz de Fora, e a Cometa, com seus belos ônibus com carroceria de alumínio no melhor design americano dos anos 50 e poltronas vermelhas de couro legítimo.

Preferia viajar pela Cometa por causa das poltronas de couro, sempre limpas e cheirosas. Nos finais de semana prolongados, as empresas punham carros extras, com horários diferenciados por um minuto (23h58; 23h59, etc.) que saíam em comboio. Nas duas paradas no caminho, todos os que estavam na plataforma de embarque na rodoviária voltavam a se encontrar, se descessem dos ônibus para ir ao banheiro, tomar um café com pão de queijo ou apenas para dar uma 'esticada' no corpo."

Cadu: Estou morrendo de inveja dessa narrativa. Se encaixaria, perfeitamente, na crônica em questão. 



elramo

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 03/03/2021 às 23:22
 

Ótima história do Cadu. É o canalbotafogo revelando talentos até então desconhecidos pelos demais foristas... 

elramo

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 03/03/2021 às 23:36
 

Nenhuma descrição de foto disponível.

elramo

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 03/03/2021 às 23:38
 

Uma verdadeira lenda das estradas, literalmente so faltava voar. Fazia Rio - São Paulo - Belo Horizonte... Diziam que um dos donos era o João Havelange.

Endia

Desde 03/2021 • 3 anos de CANAL
Acri/AC

Fraldinha


Em 03/03/2021 às 23:38
 

eu si botafugu

Nicanor Passos

Desde 09/2020 • 3 anos de CANAL
Goiânia/GO

Garrincha


Em 03/03/2021 às 23:48
 

elramo disse:
Ótima história do Cadu. É o canalbotafogo revelando talentos até então desconhecidos pelos demais foristas... 
Realmente, a descrição dos ônibus da Cometa, com todas as suas nuances, feita pelo Cadu não é para qualquer um. Coisa fantástica!


Nicanor Passos

Desde 09/2020 • 3 anos de CANAL
Goiânia/GO

Garrincha


Em 03/03/2021 às 23:52
 

elramo disse:
Nenhuma descrição de foto disponível.
Que coisa maravilhosa! Vivi anos a fio sonhando viajar em ônibus da Viação Cometa. Nunca coincidiu o itinerário - mesmo porque a empresa "na fazia linha" em minha terra natal. Somente depois de casado, exercendo a profissão de sapateiro, no ano de 1977, numa viagem a Franca-SP, onde fui adquirir um maquinário de sapataria, tive o prazer de viajar pela Cometa. Os ônibus eram, de fato, tal como narrado pelo Cadu. 


elramo

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 04/03/2021 às 00:00
 

Viação Cometa lança embarque imediato nos terminais de SP - Frota&Cia

cadu

Desde o início • 17+ anos de CANAL
Rio de Janeiro/RJ

Garrincha


Em 04/03/2021 às 00:09
 

elramo disse:
Nenhuma descrição de foto disponível.


Uma maravilha!

Detalhe: as lindíssimas carrocerias eram da marca CMA, empresa da própria Cometa, fabricadas sob licença da americana GM e montadas sobre os chassis Scania. Como o alumínio pesa menos, os poderosos motores da Scania possibilitavam um melhor desempenho aliado a menor consumo de combustível.

As poltronas de couro legpitimo davam o toque de classe no interior dos carros. Não tinha nenhum acabamento em tecido, apenas couro, borracha e fórmica. Portanto, os ônibus da Cometa jamais tinham o cheiro de mofo das forrações com tecidos e veludos. 

 Viação Cometa e ônibus Flecha Azul (com novos bancos de couro) Bus glamour  | Viação cometa, Carro brasileiros, Caminhões vintage



alvinegro21

Desde 07/2019 • 4 anos de CANAL
Rio de janeir/RJ

Garrincha


Em 04/03/2021 às 00:11
 

Esses ônibus da cometa eram muito bonitos mesmo, Icônicos eu diria.



 
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