artigo de Roberto Brito, enviado a este Blog por Mario Celso Petraglia
A farsa do discurso da boa gestão do Flamengo acaba facilmente quando analisamos o quadro que mostra o piso que cada clube fica na hora de dividir as cotas de TV do campeonato nos últimos 10 anos (lembrando que piso é a parte que cada clube fica na parte das cotas de TV que é dividida de forma fixa). A dita pseudo boa gestão do Flamengo começa em 2012 com a eleição do Bandeira de Melo.
O problema é que, até 2012, o Flamengo ganhava 25 milhões da TV (9 milhões a mais que Fluminense, Inter, Galo, Botafogo, etc). De lá para cá, quando a Globo destruiu o Clube dos 13 e se auto-proclamou dona do campeonato, ela, em um passe de mágica, passou a pagar mais de 100 milhões ao Flamengo (e o time do sistema passou a ganhar, de 2012 a 2015, 65 milhões a mais só no piso da TV aberta, em comparação ao outros grandes times citados). E, a partir de 2016 (em outro passo de mágica) ela passou a dar 170 milhões para o time do sistema de piso, que passou a ganhar mais de 100 milhões a mais por ano só no piso da TV aberta. Se contar a parte variável das cotas, a diferença chega há 150 milhões por ano desde 2016 na TV aberta (justamente quando o Flamengo começou a jorrar dinheiro desenfreadamente).
Para ter outra ideia, em 7 anos (de 2012 para cá, quando a Globo começou com essa aberração) , somando todas as cotas referentes a TV (cota fixa, mais cota variável, mais tv fechada e mais ppv) o Flamengo ganhou quase 1 bilhão a mais (entre 980 e 960 milhões para ser exato) que Fluminense, Grêmio, Inter, Galo, Botafogo, etc. Vou repetir: quase 1 bilhão a mais! E, se nada mudar, o Flamengo vai ganhar bem mais que 1 bilhão a mais nos próximos 7 anos (só na TV aberta, ano que vem, somando o fixo e variável, o Flamengo vai ganhar mais de 300 milhões, enquanto os times falados irão continuar com seus 60 milhões na TV aberta. No PPV é mais ridículo, como mostra o link demonstrativo, o Flamengo vai ganhar 150 milhões ano que vem pelo PPV e, os clubes grandes falados, entre 13 e 19 milhões).
Então, é muita vontade de acreditar nessa mentira chula que o Flamengo diminuiu, de 2013 para cá, sua dívida de 700 milhões para 460 milhões e hoje pode comprar qualquer jogador de qualquer time grande a força e pagar mais de 1 milhões por mês, em dia, para a grande maioria dos seus jogadores pq é bem administrado! E esse esquema indevido de favorecimento, infelizmente, é a cara do Brasil!
Dinheiro das cotas de TV do campeonato devem ser usados pensando em valorizar o campeonato e não em favorecer indevidamente um time, que ficar com a maior parte de um dinheiro que não é dele. E a Globo compra o direito de transmitir o campeonato. Ela não paga o direito por jogo. A cota de patrocínio que ela cobra dos patrocinadores é por campeonato também e não por jogo. Não há motivo para esse absurdo vergonhoso.
E, mesmo que a divisão fosse por audiência, apesar de tudo, o Flamengo teve 27 pontos de audiência em seus jogos contra, por exemplo, 20 pontos de audiência do Fluminense em 2018 no brasileiro. Isso dá uma variação de um pouco mais de 20% de audiência. Não tem porque o Flamengo ter ganho essa fortuna desproporcional para trazer todos os melhores jogadores a força em 2019. E é lógico que a audiência do Flamengo deve aumentar em 2019, porém isso é fruto desse esquema que injetou quase 1 bilhão a mais no Flamengo nos últimos 7 anos, onde a diferença de audiência no agregado desses 7 anos é ainda menor do que em 2018.
E, antes que falem essa besteira da torcida ser maior (besteira essa repetida até por alguns jornalistas da Globo pela falta de argumentos para justificar o injustificável), lembrem-se que, tamanho de torcida, é um argumento risível nesse caso pois, o que importa para a TV e seus patrocinadores é audiência e não o hipotético número da torcida. E, mesmo com a variação de audiência ser pequena como mostrei (principalmente antes desse esquema que é uma aberração), ainda entra o fato da audiência nunca ser só de um time. Primeiro que ele não joga sozinho, depois pq torcedores de outros times assistem jogos de outros times. Por exemplo, tricolores assistem um Flamengo x Palmeiras, assim como Flamenguistas assistem um Fluminense x São Paulo. Então, tamanho da torcida faz diferença na receita que o clube gera com patrocínio da camisa, na venda de camisas, na bilheteria, na renda com o sócio torcedor, etc. Embora, vale lembrar, que essa receita também é desequilibrada pela TV, já que o Flamengo passar a ganhar muito mais nesses itens do que já ganharia naturalmente, pelo excesso de investimentos e visibilidade, enquanto os outros clubes, pelo motivo inverso, passam a ter muito menos receita nesses itens do que já teriam naturalmente. Mas, voltando a “vaca fria”, é essa receita que o Flamengo gera e que ninguém quer tirar dele. Mas número hipotético de torcedores não faz diferença na hora de dividir as cotas de TV do campeonato. Isso é até óbvio também, mas é muito difícil explicar o óbvio as vezes.
Tudo isso acontece pela falta de regras e controle do esporte bretão, onde a Globo se porta como dona do campeonato e não como uma emissora que comprou o direito de transmitir o campeonato.
E criar regras para manter o equilíbrio e a competitividade em um mercado não tem nada de errado ou anti-capitalista, muito pelo contrário, ele serve justamente para acabar com monopólios e manter a competitividade e o interesse da sociedade ou do consumidor. O Cade é um órgão anti-capitalista por um acaso ou ele assegura justamente o equilíbrio, a competitividade e o interesse dos consumidores em um mercado livre e capitalista? Os EUA são anti-capitalista por um acaso? Lá tem regra para qualquer mercado! Inclusive, os maiores cases de maior rentabilidade e sucesso esportivo são nos EUA, a NFL e a NBA. E nesses esportes a emissora compra a cota de tv do campeonato e é dividido igualmente entre os clubes participantes. Não só isso, o material de uniforme tb paga pelo campeonato e é divido igualmente. Tem teto de salário para os jogadores. O clube que não participa das finais, por não ter a renda desses jogos de playoffs, tem direito a escolher primeiro os jogadores do “draft”, etc. Tudo é pensado para manter o equilíbrio e a competitividade do esporte pois eles sabem que o esporte vive disso (qualquer mercado vive disso, o esporte muito mais). E isso nunca impediu, por exemplo, dos Lakers terem mais dinheiro que os outros por conta de patrocínio, bilheteria, venda de camisas, venda de produtos licenciados, etc.
Mas o melhor case é o da Premier League, que virou o maior campeonato do mundo depois que mudou a regra de divisão de cotas de TV, tornando esse divisão mais igualitária, o que valorizou o campeonato, deixando ele mais competitivo e atraente.
Então, o Flamengo pode até ter uma boa gestão, e isso ajuda muito é claro, mas é muito óbvio que não é por conta dessa boa gestão que o time do sistema está onde está, jorrando dinheiro desenfreadamente. É só olhar os números.
E esse desequilíbrio, através desse esquema vergonhoso montado desde 2013, que concentra boa parte da receita milionária das cotas de TV do campeonato em um único time, dando uma mega vantagem descomunal a esse único time, enfraquece o futebol sim e pode matar o futebol sim, pois futebol vive de competitividade, de rivalidade, de disputas acirradas, de grandes clássicos (como um FlaxFlu), etc. É a mesma coisa que tivesse 4 grande corredores de atletismo que promovessem grandes disputas nos 200 metros rasos, cheias de emoção, rivalidade, que todos parassem para ver essa grande corrida disputada até o último segundo, etc. Quanta emoção! Até que um belo dia, um desses competidores, por a tv ter interesse na sua vitória, consegue uma vantagem indevida de largar sempre 100 metros a frente dos seus corredores rivais. O que será que irá acontecer a médio prazo com tamanho desequilíbrio nessa competição? Não precisam responder, é uma pergunta retórica, já que todos sabemos o que irá acontecer.
Qual a solução: antes de qualquer coisa, temos que identificar os responsáveis por isso. Lógico que a Globo é culpada, mas, muito mais culpados, são a CBF e os clubes que, por algum motivo torpe, permitem que isso aconteça. Então, primeira solução, são os clubes se unirem (de preferência criando uma liga, que pode ser nos moldes do clube dos 13, mas com uma abrangência maior) e comunicarem que não aceitam mais isso. Simples assim. Mas, para que isso aconteça, a mobilização popular é fundamental! Todos os torcedores tem que participar desse movimento! Todas as torcidas tem que cobrar da gestão dos seus respectivos clubes que não aceitem mais essa vergonha por qualquer motivo! Só assim vamos conseguir unir diferentes clubes, com realidades igualmente diferentes, contra esse sistema em prol do futebol e do que é certo!
E que tenham peito de romper com a Globo se necessario. E, se preciso for, até criar, em último caso, um campeonato criado por essa liga com um modelo mais justo, que valorize a competição. Tem que estar disposto a isso. Se o Flamengo não topar, que jogue sozinho. Se o Corinthians não topar junto com o Flamengo, que joguem um contra o outro o ano inteiro, enquanto os clubes montam um belo e competitivo campeonato, e vendam para outra emissora ou para um canal de internet. Temos que estar dispostos a isso.
Mas não é só isso, a aprovação do clube-empresa é fundamental para se negociar um novo refis para dar uma desafogada nos clubes, atrair investimentos para os times e fazer o futebol contribuir mais com a sociedade. Esse é o modelo, esse é o caminho. Ou mudamos esse modelo feudal do futebol, que é extremamente injusto e arcaico, ou o futebol acaba. Essa luta não é para defender nossos times, é mais que isso, é para defender o futebol!