É o jogo além do jogo. A tentativa frustrada, pelo menos por enquanto, de 12 superpotências do futebol mundial de criar uma Superliga da Europa no intuito de potencializar os seus lucros bilionários – apesar da justificativa diversa -, não é algo inédito. Há episódios semelhantes na própria história do futebol brasileiro e regional, que habitam o passado - mais remoto e mais recente - e o presente.
Três exemplos são latentes de criação de “ligas independentes” no país. O Clube dos 13, em 1987, que deu origem à Copa União; a Liga do Nordeste, que estruturou a Copa do Nordeste – denominação atual; e a Primeira Liga, que organizou a competição homônima.
Veja semelhanças e diferenças entre as iniciativas no podcast acima
Copa União até hoje traz disputa entre Sport e Flamengo pelo título de 1987 — Foto: Montagem sobre foto da Gazetta Press
Exemplos que, reservadas as proporções e particularidades, possuem a invariável marca dos privilégios dos seus integrantes, da exclusão de quem está fora, "embaixo". Possuem, também, assim como a iniciativa da Superliga da Europa, um caractere de ruptura dos clubes com “ordem” vigente – leia-se confederações e federações. Um duelo sem “mocinhos”, no qual os interesses alheios ao futebol, enquanto esporte, se sobrepõem.
Clube dos 13 e a Copa União
A criação do Clube dos 13 foi o exemplo local mais revisitado após a polêmica criação e implosão da Superliga da Europa. E as semelhanças vão além do número parecido de integrantes originais.
Assim como ocorreu atualmente na Europa, existia, nas décadas de 1970 e 1980, uma movimentação dos considerados maiores clubes do país em busca de mais autonomia, na intenção de se tornarem independentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Trama que eclodiu em 1987, quando a CBF colocou em risco a realização do Campeonato Brasileiro daquele ano, alegando ausência de recursos.
Os times que formariam inicialmente a Copa União, em 1987 — Foto: Reprodução
Doze clubes do eixo sul-sudeste aproveitaram a brecha para colocar a ideia em prática. Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco, do Rio; os paulistas Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo; Atlético-MG e Cruzeiro, de Minas; Grêmio e Inter, do Rio Grande do Sul. Para reduzir a impressão de um exclusivismo do Sul-Sudeste, o Bahia foi incluído.
Nascia a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro: o Clube dos 13.
O Clube dos 13 esquematizou, assim, a Copa União, que seria disputada pelos 13 integrantes e três convidados – algo parecido com o que previa a Superliga da Europa. Os times chamados foram Coritiba, Goiás e Santa Cruz.
Contudo, a CBF, ao contrário do que havia sugerido, não abriu mão da competição. E entrou em choque com o Clube dos 13. Um conflito marcado por ameaças, entre elas, de desfiliação dos clubes “rebeldes”, por parte da CBF – mais uma coincidência com o contexto da Superliga da Europa.
A briga terminou em acordo. Após concessões mútuas, CBF e Clube dos 13 estruturaram o Campeonato Brasileiro de 1987, que seria disputado em módulos. No regulamento, a previsão de um quadrangular final entre os dois primeiros colocados do Módulo Verde - a Copa União - e do Módulo Amarelo. Contexto que resultou num grande imbróglio.
Flamengo, de Bebeto, e Internacional decidiram a Copa União e se recusaram a disputar quadrangular — Foto: Celso Meira/ Agência O Globo
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No fim, aquela edição do Brasileiro acabou com o Sport considerado como campeão, reconhecido juridicamente após uma batalha entre o clube pernambucano, o Flamengo e a CBF.
O Clube dos 13, por sua vez, continuou a existir. Ganhou novos integrantes ao longo do tempo – entre eles o próprio Sport – e estabeleceu, durante anos, os critérios da divisão das cotas televisivas entre os participantes do Brasileiro, até a sua extinção, em 2011.
Liga do Nordeste
A Copa do Nordeste também entra no rol de competições nacionais resultantes da iniciativa de ligas criadas por clubes. Tem a sua gênese em torneios envolvendo times da região, ocorridos desde a década de 1940. Competições pontuais, sem um critério técnico de escolha dos participantes.
A essência atual tem na certidão de nascimento o ano de 1994 – ano em que o Sport foi campeão. A competição surgiu na esteira dos regionais. Politicamente, encorpou em 1997, com a criação da Liga do Nordeste, mais uma a reunir os “maiores clubes” em busca da defesa dos seus interesses.
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Sport de Juninho foi campeão pernambucano e da primeira edição da Copa do Nordeste, em 1994 — Foto: Arquivo pessoal / Chiquinho
O torneio foi disputado sem interrupções até 2003, sendo considerado um dos mais bem-sucedidos do país. No ano seguinte, houve um embate entre a Liga e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que jogou contra. Alegando a ausência de datas disponíveis, cancelou a edição 2004.
A Liga entrou com uma ação contra a CBF e ganhou uma indenização milionária. Derrotada, restou a CBF propor um acordo para evitar o prejuízo, viabilizando o retorno da competição. Assim, a Copa do Nordeste voltou a ser disputada regularmente a partir de 2013.
Durante esse tempo, por mais que incrementasse critérios técnicos, não deixou de ser marcada por exclusões e privilégios. Só passou a